segunda-feira, 19 de setembro de 2011

A morte da tragédia em Nietzsche

Nietzsche acusara Sócrates e Eurípedes – grande dramaturgo grego – pelo fim da tragédia, ao valorizarem a razão, o conceito em ver do instinto estético. Substituíram o saber artístico pelo saber racional. É o que Nietzsche definirá como “Socratismo Estético”.
Eurípides, que seria o "Sócrates do teatro", teria “matado” a arte trágica por subordinar o poeta ao pensador racional.
O que caracteriza a “Estética Racionalista”, a “Estética Consciente”, é introduzir na arte o pensamento e o conceito a tal ponto que a produção artística deriva da capacidade crítica. Momento em que a consciência, a razão, a lógica despontam como novos critérios de produção e avaliação da obra de arte. (MACHADO, 2002, p. 30)
A partir daí, a tragédia não terá mais uma característica irracional ou desproporcional, perderá sua profundidade, sua incerteza, deixará de ser obscura, sombria, emfim, o elemento Dionisíaco desaparece. Com isso, também o poeta trágico será desvalorizado por não deixar “claro” o que faz, por não ter consciência da obra, não possuindo o saber racional.
A ironia é que o culpado pelo termino da tragédia na arte seria um homem conhecido como um dos três – o ultimo dos três – grandes dramaturgos trágicos: Eurípides.
A tragédia grega não acabou como todas as outras artes da antiguidade, suas irmãs: morreu por suicídio, conseqüência de um conflito insolúvel, quer dizer, tragicamente. As outras artes morreram com idade avançada, com morte muito serena e, muito bela. [...] A morte da tragédia, pelo contrario, produziu uma impressão universal e profunda de vazio monstruoso. (NIETZSCHE, 1996, p.71)
Nietzsche declara que com Eurípedes o teatro se tornou popular, visando o populacho, a plebe, passou a ser raso ao querer ser mais “real”. “Devido a este homem (Eurípedes), o homem comum deixou os bancos dos espectadores e subiu ao palco; o espelho, que outrora refletia só nobres e altivas feições, passou a representar com exatidão servil e a reproduzir com minúcia todas as deformidades da natureza”. (Nietzsche, 1996, p.72).
Eurípedes de fato popularizou o teatro, a tragédia, e dizia ter ensinado o povo a observar, a raciocinar segundo as regras e as leis da sofística. “A mediocridade burguesa, na qual Eurípedes punha todas as suas esperanças políticas, passou a ter voz.” (Nietzsche, 1996, p.73).
Nietzsche mostra a influência que Sócrates exerceu sobre Eurípedes, sendo aquele um assíduo espectador das tragédias deste. A partir deste momento, Nietzsche passa a contrapor o Dionisíaco ao Socrático. O Socratismo teria sido o elemento destruidor da tragédia grega.
A lei principal desta doutrina é aproximadamente a seguinte: “Tudo deve ser inteligível para ser belo”, sentença que tem par na de Sócrates: “Só é virtuoso quem é ciente”. Munido deste “cânon”, Eurípedes aferiu todos os elementos da tragédia: a língua, os caracteres, a construção dramaturgica, a musica de coro; depois corrigiu tudo o que nós, em comparação com a tragédia de Sófocles, frequentemente consideramos sinal de pobreza e de inferioridade política, não é muitas vezes senão o produto da intromissão do processo critico e da cegueira racionalista. (NIETZSCHE, 1996, p.80)
A crítica que Eurípedes faz a arte pode ser considerada como um prolongamento da crítica Socrática aos homens de sua Época, dizia ele que a arte de seus antecessores era feita por instinto, não havia consciência, não havia o inteligível. “O Socratismo despreza o instinto, e portanto a arte. Nega a sabedoria justamente onde se encontra seu verdadeiro reino”. (Machado, 2002, p.31). Se algo para ser bom é necessário ser consciente, o saber trágico é desclassificado, pois se caracteriza como um saber inconsciente.
Ao fazer a identificação entre razão - felicidade – virtude, o Socratismo vai contra o trágico, o Dionisíaco, e por não conseguir explicá-lo, o nega. Nietzsche vê nesse Racionalismo Socratiano o inicio do “espírito cientifico”, aquela crença no poder do pensamento, que com ele o homem conseguirá penetrar – através das causalidades – e atingir o ser.
Nietzsche chama essa crença de que o conhecimento poder chegar à essência das coisas de “ilusão metafísica”, e esse antagonismo entre o espírito cientifico e a experiência trágica é alvo de crítica, pela suposta prevalência da verdade como valor superior.
Se a arte tem mais valor que a ciência, é sempre vitalizada por Nietzsche como paradigma em suas criticas da verdade, é que enquanto a ciência cria uma dicotomia de valores que situa a verdade como valor supremo e desclassifica inteiramente a aparência, na arte a experiência da verdade se faz indissoluvelmente ligada á beleza que é uma ilusão, uma mentira, uma aparência. (MACHADO, 2002, p.33)

Sócrates via na tragédia anterior a Eurípedes o irracional, não havia ali uma reflexão, uma crítica, era causas sem efeitos e efeitos sem causas, ela não dizia “a verdade”, não era filosófica.
Sócrates sobrepôs o “pensamento filosófico” à arte, para ele “virtude é ciência; só se peca por ignorância”, não existiria o incompreensível, o ilógico, a não ser quando ainda não se tem conhecimento o bastante sobre algo.
Por isso a imagem da “morte de Sócrates” do homem que pela razão e pela ciência foi capaz de se libertar do terror da morte está como um brasão as portas da ciência. É o movimento que a todos lembra que a finalidade da ciência consiste em tornar razoável a existência, e por isso justifica-la. (NIETZSCHE, 1996, p.64)
A influência de Sócrates seria imensa e continua até os dias atuais, com a sucessão de escolas filosóficas, todos sedentas de conhecimento, buscando sempre a verdade absoluta, a essência por detrás da aparência, da ilusão que é o mundo sensível. A fé na possibilidade de conhecer as profundezas da natureza das coisas, das causas, a fé na ciência, mas todo esse conhecimento chega inevitavelmente a um limite, ao inexplicável, que apenas o “conhecimento trágico” dará conta.
Nesse capítulo, abordamos a análise feita por Nietzsche sobre a tragédia Grega, sobre seus dois elementos formadores, o Apolíneo e o Dionisíaco e sua posterior destruição, causada pelos ideais Socráticos, ao impor a racionalização da arte, suprindo assim o elemento Dionisíaco. Da arte para a vida, esses ideais introduzidos por Sócrates criou uma “Vontade de Verdade”, de que tudo pode ser conhecido, desvendado, que no campo da moral produziu o que Nietzsche define como “Oposição de Valores”, o bom seria o que é lógico racional, e o mal o que é ilógico.
Nietszche fará uma crítica abrangente em torno dessa idealização do mundo, dessa busca desenfreada pelo conhecimento, acreditando que existe “A Verdade” das coisas, uma essência lógica e racional por detrás da aparência, do mundo sensível.

Nenhum comentário:

Postar um comentário